terça-feira, 25 de maio de 2010

Viagem helicoidal






Saiu de um túnel escuro

Rodopiando feito louca

Penetrou num mundo louco
Sem as suas vestes cilíndricas
Rompeu moléculas de oxigênio
Esmagou ácaros e bactérias
E delirou com a rapidez dos fatos
Viu pessoas, casas e ruas
Não foi vista por ninguém.
Não dimensionou o quanto foi cruel
Ter saído do seu mundo, ou pior...
Ter entrado nele.

Cravou no peito de um ser vivente
Embriagou-se com sangue venoso

E sem entenderem a essência do fato

Partiram juntos sem saber pra onde

Morreram juntos sem saber por quê.

Maldito seja o dedo cruel que apertou o gatilho.


Jairo Cerqueira

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Vilarejo


O Sol aquece o som dos passarinhos
O vento leve a carregar as folhas
Meninas magras caminhando a esmo
E uma senhora a falar ao padre.

Um cego triste a violar canções
Num armazém de porta escancarada
E um quase bêbado a falar de mim.

A vida passa sem ser percebida
Pessoas vivem sem sequer dar conta
Que o tempo voa, mas retorna lento
Quando o amanhã é somente rotina.

Num calendário sem perspectivas
O Sol se esconde ao som de alguns insetos
O vento esfria... e agora chove.

Jairo Cerqueira

segunda-feira, 17 de maio de 2010

O lado negro da força



Professor, posso escrever com caneta de cor verde?

Acabaram as linhas dessa página... posso passar  para o outro lado da folha?

Será que posso passar o corretivo nos lugares em que escrevi errado?



Foi aberta a porta da Nave Mãe. Em cada compartimento ‘cubicular’ - estes contendo cerca de 40 a 50 subordinados ao conhecimento – entra um protótipo clonado do Lord Darth Vader e, impondo a regra básica e rotineira do Império, grita: “Comecem a fazer os seus deveres”! Então, alguns ignóbeis assustados com o pseudo barulho emitido pela respiração seca, originada pela máscara maléfica do comandante, lançam-se ao processo robotizado de decodificação. O senso crítico, a disciplina, boas maneiras, a ética e o raciocínio lógico, cedem espaço para o desfile soberano dos conteúdos programados. A constatação é deprimente:

Eles não possuem nenhuma autonomia para descobertas! Não se percebem como pensantes e seguem a vida desprezando a filosofia e matando o refletir aos pouquinhos. Nos compartimentos, não há conquistas, validações e afetos. Segregação e intolerância formam a psique dos professábios. No arrastar das cadeiras, nas vozes exacerbadas e na troca gentil de alguns sopapos, está a prova cabal de que as ações não foram educadas.

Quem conseguirá encher mais e mais os currais  da estupidez; os  traficantes, os patrões capitalistas, ou os legisladores?

No império de Darth Vader, há um exército com o braço armado...

E há escolas com mãos atadas.


Jairo Cerqueira

quinta-feira, 13 de maio de 2010

100 Ciência negra

escada da igreja
                                                                                                       por foto_fluidez
                Ninguém esperou que um dia
                         Evadíssemos do cativeiro
                           Gemidos viraram cantos
                              Recitou-se um som profundo...
                                Olha lá, a liberdade!
                                   Somos cidadãos do mundo!

                           Liberdade a passos lentos
                                         Invocamos nossa voz
                                          Vozes negras vêm do fundo
                                            Resistimos aos grilhões
                                               Esperamos muito mais...
                                                 Somos cidadãos do...
                                        Mundo?
                        Jairo Cerqueira


                                                                 

sábado, 8 de maio de 2010

Visão de um homem comum



           

            Queria tanto lhe beijar a face
             Encostar meu rosto
             No seu ombro amigo
             Agora já não dá mais
             A morte foi implacável
             Você partiu
             E não faz idéia do que fez comigo.
             É certo que eu não ando às lágrimas
             Não ascendo velas nem faço oração
             Você quando viva sabia
             E quase sempre compreendia
             Quanto maior o sentimento
             Menor a minha explosão.

             Compreendo perfeitamente
             As ações do criador
             Porém você não calcula
             A extensão da minha dor
             Ah, se eu pudesse agora
             Chorar no teu ombro amigo.

             Não questiono a sua morte,
             Só não aceito a tua sorte...
             Você morreu sem ter vivido.


                        Jairo Cerqueira 23/08/02

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Um odor maltado na memória






O perfume
Que invadiu minhas narinas
Numa tarde cinza,
Friorenta e nuvolosa
Se misturou
Ao whisky que eu sorvia
Extasiado
Pelo som de Malagueña.
Por um momento
Percebi com a saudade
Alguma coisa
Meio assim, angustiante
Pois, a ternura
Ternária de Malagueña
Estraçalhou sem piedade
Minha memória.
Essa lembrança
Sopranada em LÁ menor
Fez levitar
As plumas plúmbeas do desejo.
Um outro gole
De whisky com teu cheiro
Embriaguez
De inspiração e sofrimento.


Jairo Cerqueira