quinta-feira, 25 de março de 2010

Dedução indutiva (Uma crônica contada / ou um conto crônico)


Uma moto estronda sua descarga e faz o seu condutor se sentir vivo. Sob o efeito de um trago inalado, ele enxerga um casal de patos com cinco patas – isso é possível a olho nu?- e entendendo como algo perfeitamente normal, seu raciocínio dedutivo o induz a crer que a vida é bem melhor vista por esse prisma. “Aquela garota sentada no bar me olhou”!  Ele vai ao seu encontro e, ao aproximar-se dela, oferece-lhe uma bebida. Ela aceita, e em seguida o papo rola: “Você pilota bem, viu”? – dedução induzida apenas pelo som da descarga em seus ouvidos sonhadores – "Eu sei. Você precisa me ver na pista; ali sim, é que a gente sente a liberdade de corpo e... (mente)”. _ diz isso e franze as narinas empoeiradas. “Cara, você é muito inteligente”! – essa noção ela teve ao contextualizar a palavra Liberdade com Velocidade e Pista. Estaria ali, com ele, alguém sem a mínima noção do que era ser livre? “Tá a fim de dar um giro”? “Claro”! – respondeu ela com os olhos que revelavam a ingenuidade dos seus 14 anos. Ele, então a conduziu de forma meiga ao seu veículo e saíram lentamente até que as turbinas esquentaram e num vôo rasteiro saíram desbravando florestas virgens; porém, somente ela foi desvirginada. Entre beijos, afagos e inalações mútuas, ela percebeu em seu corpo as marcas denunciadoras de transformações ulteriores, e em sua cabeça, sentiu a satisfação medrosa de quem não fazia idéia do que ocorria. Por isso, mais uma inalada em busca do adiamento do que, por certo, já era fato. De volta ao bar onde estava, atônita e sozinha,  lembra apenas que é cheirando que se adia a reflexão dos fatos. “Ele sumiu”! – pensou desolada.
E ela, quem é? Talvez alguém que não foi contemplada com os benefícios educativos para que aos quatorze anos pudesse ter equilíbrio sobre si e soubesse também lidar com as armadilhas da vida.
E ele, quem é? Talvez alguém o qual ela jamais saiba quem foi, e que a cada inalada e a cada ronco na turbina do seu corpo comburente, sinta-se cada vez mais livre. Livre sim! Livre para “Descartar” com “Deduções Indutivas”, qualquer tipo de critério para os seus anseios analíticos. 
Assim sendo, um casal de patos realmente possui cinco patas:
Duas do pato, duas da pata e, ... a própria pata.

Uma pequena ressalva sobre a educação voltada para o ser pensante.

Jairo Cerqueira

segunda-feira, 22 de março de 2010

Pedrada (do verbo pedrar)



Ali está ela!
Sentada sobre a pedra
Na calçada.
Descalça
Sob a pedra que a consome
Consumida diariamente
Com_pulsão.

Não restará pedra sobre pedra
Para_a_nóia desse escombro
Que um dia foi castelo.

Jairo Cerqueira

terça-feira, 16 de março de 2010

Ária na corda de Sol


Abrem-se as cortinas!
A Praça Campo Grande, naquele final de tarde
Continha um público vibrante.
Nas adjacências, desatentos tomavam alguns goles.
Aproximados, os que por natureza
Eram ébrios da linguagem cosmopolita.

Silêncio!... Que nada!... Pseudo silêncio.
Respirações ofegantes cochichavam
E corações tamborilavam ritmados.
É que naquele momento, em algum lugar do palco
Era anunciada... “Ária da quarta corda”.

“BACH, tchê!”!
Sussurrava emocionado um turista gaúcho.

SILÊNCIO!!!

Começa então, o momento mágico.
E o terceiro grau da escala
Segue executado em nove tempos
Golpeando os alvos coronários.

Naquele instante
Somente os ouvidos privilegiados
Enxergavam, no Campo Grande
A boquinha suave da noite primaveril
Roçar a língua clássica de um barroco apaixonante.
Enquanto que o maestro, totalmente escravizado
Fingia dominar a peça musical.

Suas feições sisudas e ríspidas, nada mais eram
Que o despedaçar de su’alma, sucumbida
Pela força da natureza...
Acasalada numa partitura.


Jairo Cerqueira

Poema dedicado a Dênison Ribeiro de Cerqueira
(Com ele aprendi, aos 16 anos, enxergar a música por atalhos)

quinta-feira, 11 de março de 2010

Música, poesia e morte




(Réquiem para os maus seguidores)

Sou da música, sim! Ela me domina.
Gosto de Jazz, de samba, de Mozart, de Bach
Adoro Elomar!
Sou do mar, das águas: do chão e do ar
Só não sei cantar!
Preciso poetar
Faço isso pro meu pensar divagar
Não sou tão verso, sou mais reverso.
Portanto, contemplo a quebra da rima.
Será que os ‘ex_cribas’ vão me tolerar?
E os ‘fari_Zeus’, hão de me aturar?
Ou terei que como mal seguidor
Afogar-me em meus próprios textos?
Assim, poeta, implodirei em meus anseios
E melodiando em Flauta Mágica
Por certo, candidato à vala comum
Escreverei com o próprio punho
O réquiem da minha morte.

Jairo Cerqueira 03/12/2009

segunda-feira, 8 de março de 2010

Das Invasões e dos tributos



A minha casa não é minha (Segundo o Francês Proudhon). Antes de comprá-la, alguém comprou de outro, que comprou de outro. E esse outro hereditou-a. E hereditariedade latifundiária remete à invasão descaradamente capitaneada.
A camisa que visto também não é minha. Para encurtar a narrativa: alguém um dia se apossou das terras que, depois de vendidas serviram de chão para o plantio do algodão que deu origem a feitura da roupa.
O seguro que se paga no cartão de crédito em nada assegura, se de imediato não for feito um comunicado ao banco. Uma vez feito o comunicado, o banco bloqueia o cartão e ele automaticamente perde o seu poder de compra.  Assim sendo, nunca haverá qualquer tipo de despesa bancária com ressarcimento.
O cartório me cobra uma taxa para o reconhecimento de firma, ou seja, para me dizer que eu... sou eu mesmo. Não bastam a identidade, o registro e tudo que possa conter foto, polegar e rubrica.
Deslumbrado com tanta manobra humanitária, não sei ao certo se contemplo:
A ilegalidade da posse, ou...
A legalidade do furto.

Jairo Cerqueira

terça-feira, 2 de março de 2010

Labutos





O coração do pescador toca um fado
Que em suas mãos calosas
Sincopa em samba de roda.
A fumaça rouca da sirene fabril
Põe seus proletários
Em liberdade provisória
Enquanto o barco deslizante
Vagueia nas águas flúvias
Em busca de providencias.

Jairo Cerqueira